Era uma vez um pescador e a sua mulher; Viviam numa miserável choupana à beira- mar. O pescador, que se chamava Pedro, ia todos os dias atirar o anzol; mas muitas vezes ficava horas inteiras antes de pescar um só peixe.
Um dia, em que se achava olhando sempre para os movimentos do anzol, eis que o vê desaparecer e ir ao fundo; puxa, e no fim da linha aparece um grande bacalhau.
Peço-te, disse o animal, que não me tires a vida; não sou um peixe verdadeiro, sou um príncipe encantado. Peço-te que me soltes; dá-me a liberdade, o único bem que me resta.
- Basta de tantas palavras, respondeu o bravo Pedro. Um peixe que sabe falar, merece bem que o deixem nadar à vontade.
E soltou o animal, que de novo fugiu para o fundo do mar, deixando atrás de si um rasto de sangue. Quando voltou à choupana, contou à mulher sobre o belo peixe que pescara e como lhe dera a liberdade.
- E não lhe pediste nada em troca? disse sua mulher.
- Eu não, o que poderia eu desejar? sou feliz como vivo, respondeu Pedro.
- O que! não será um suplício viver sempre nesta feia cabana, suja e infecta; podias bem ter pedido uma linda casinha.
O homem não pensara que o serviço que voluntariamente prestara ao príncipe, valesse uma recompensa tão bela. Contudo, lá foi até a praia, e à beira do mar, que estava todo verde, e gritou:
- Bacalhau, meu querido bacalhau, a minha mulher, a minha Isabel, contra minha vontade, quer alguma coisa em troca da liberdade que lhe dei.
Imediatamente apareceu o peixe, e lhe disse:
- Então o que deseja?
- Aqui está, disse o pescador; como te dei a liberdade, minha mulher acha que deves satisfazer-me um pedido; ela já está farta de nossa choupana, deseja viver numa linda casinha.
- Está bem, respondeu o bacalhau, volta para casa e tu verás cumprido o seu desejo.
Quando estava voltando, Pedro avistou sua mulher à porta de uma casinha muito bonitinha e asseada:
- Corre! gritou ela ao avistá-lo, vem ver como isto é bonito; há dois belos quartos e uma cozinha; na parte traseira temos um pátio com galinhas e patos e também um jardinzinho com legumes e algumas flores.
- Oh! que vida alegre poderemos agora levar! disse Pedro.
- Sim, disse ela, é tudo o que desejo!
Durante uns quinze dias foi um encanto sem fim; depois, de repente a mulher disse:
- Ouve, meu querido Pedro, esta casinha é um pouco estreita; o Jardim é muito pequeno. Só serei mesmo feliz num grande palácio de pedra. Vai procurar o bacalhau e diz-lhe que é esse o meu desejo.
- Mas, respondeu o pescador, há apenas quinze dias desde que o bondoso príncipe nos deu essa casinha tão linda, como nunca teríamos sonhado possuir outra semelhante. E tu queres que vá outra vez importuná-lo! mandar-me-á passear e com toda a razão.
- É isso mesmo que quero, disse a mulher; sei mais do que tu, com certeza ele nos será agradável. Vai procurá-lo com te disse.
O bom homem foi até a praia; o mar era de um azul escuro, quase roxo, mas calmo. O pecador gritou:
- Bacalhau, meu rico bacalhau! a minha mulher, a minha Isabel, contra minha vontade, quer por força mais alguma coisa.
- O que é que ela quer dessa vez? respondeu o peixe, que apareceu logo, com a cabeça fora d'água.
- Imagina tu que já não lhe agrada a linda casinha, e agora deseja um palácio todo de pedra!
- Volta para casa, disse o bacalhau, que o desejo dela já está cumprido.
Ao chegar, o pescador encontrou sua mulher a passear no grande pátio dum esplêndido palácio.
- Oh! como é gentil esse bacalhau, disse ele; vê como tudo é magnífico!
Juntos atravessaram um vestíbulo em mármore; uma multidão de criados com galões dourados abriam-lhes as portas dos ricos aposentos, guarnecidos de riquíssimos móveis e cobertos dos mais preciosos estofados. Por detrás do castelo havia um imenso jardim onde desabrochavam os mais raros arbustos e flores; depois seguia-se um parque magnífico, onde folgavam os veados, as corças e toda a espécie de passarinhos; ao lado havia cocheiras vastíssimas, com cavalos de luxo e uma grande quantidade de lindas vacas leiteiras.
- Como a nossa sorte é digna de inveja, disse o bravo pescador, esbugalhando os olhos ao ver essas maravilhas; espero que os teus desejos mais temerários estejam satisfeitos.
É o que digo, respondeu sua mulher, mas amanhã refletirei melhor.
Depois, após provarem as deliciosas iguarias que lhes serviram à ceia, foram deitar-se.
No dia seguinte, quando ainda nem havia amanhecido, a mulher acordou o marido às cotoveladas e disse-lhe:
- Pedro, agora que já temos este palácio, precisamos ser senhores e donos de todo o país.
- Ora essa, respondeu Pedro, queres ser coroada? eu é que não quero ser rei.
- Pois bem, eu quero ser rainha. Vamos, vista-te, corre e vai dizer o que estou a desejar a este rico bacalhau.
O pescador encolheu os ombros, mas nem por isso deixou de obedecer.
Ao chegar à praia, viu o mar num cinzento escuro, e bastante agitado; pôs-se a gritar:
- Bacalhau, querido bacalhau! A minha mulher, a minha Isabel, embora contra a minha vontade, que a todo o custo mais alguma coisa.
- O que ela ainda está precisando? disse o peixe, que logo se mostrou com a cabeça fora d'água.
- Pois agora ela meteu na cabeça que quer ser rainha!
- Volta para tua casa, o seu pedido já está concedido, disse o animal.
E, com efeito, ao voltar, Pedro encontrou sua mulher instalada num trono de ouro, ornada de enormes diamantes, com uma coroa magnífica na cabeça, rodeada de damas de honra ricamente vestidas de brocado, qual delas a mais linda; à porta do palácio estavam os arqueiros com fardas brilhantes; uma banda militar tocava uma alegre fanfarra; uma multidão de súditos achava-se espalhada pelos vastos pátios, onde estavam enfileiradas magníficas carruagens.
- Então disse o pescador, espero que agora tenha chegado ao cume de seus desejos; antes era pobre entre os mais pobres, e agora és poderosa rainha.
- Sim, respondeu a mulher, é uma sorte bem agradável, mas ainda há algo melhor, não compreendo como não pensei nisto antes; quero ser imperatriz, ou melhor, imperador; sim, quero ser imperador!
- Mas que é isso mulher! perdestes a cabeça?; não, eu não vou pedir essa loucura ao bom amigo bacalhau; certamente irá me mandar passear, e com toda a razão.
- Nada de contestações, replicou ela; sou a rainha e tu és o primeiro dos meus vassalos. Portanto, deves obedecer imediatamente.
Pensando ser seus passos inúteis, Pedro dirigiu-se até a praia. Ao chegar lá, viu o mar, todo negro, quase como tinta; o vento soprava com força e fazia levantar ondas enormes.
- Bacalhau, querido bacalhau, gritou ele, a minha mulher, a minha Isabel, contra a minha vontade, quer ainda mais outra coisa.
- O que ela quer agora? disse o peixe que logo apareceu.
- As grandezas subiram-lhe aos miolos, agora ela deseja ser imperador.
- Pois volta para casa, respondeu o peixe; já se fez o que ela quer.
Quando Pedro voltou para casa, viu um palácio enorme, todo construído em precioso mármore; o teto era em laminas de ouro. Depois de ter passado por um pátio enorme, cheio de lindas estátuas, plantas e fontes que exalavam os mais suaves perfumes, atravessou uma fileira composta de guardas de honra, uns gigantes de mais de dois metros de altura; e depois de passar por uma fileira de aposentos decorados com extrema riqueza, entrou num vasto salão onde estava sentada num trono de ouro maciço, bem alto, a sua mulher; vestia um traje esplêndido, todo coberto de enormes diamantes e rubis, e tendo uma coroa que por si só valia mais que muitos reinos; estava rodeada de uma corte composta somente de príncipes e duques; os que eram apenas condes ficavam na antecâmara.
Isabel parecia estar inteiramente à vontade no meio desses esplendores.
- Então, disse-lhe Pedro, espero que agora estejas satisfeita com teus desejos; ninguém nunca teve tanta sorte como a tua.
- Veremos isso amanhã, respondeu ela.
Depois de uma grande festa, foi deitar-se, mas não pode dormir; estava atormentada com a ideia que talvez houvesse alguma coisa ainda mais invejável do que ser imperador. De manhã, ao levantar-se, viu que o céu estava encoberto.
- Queria ver o sol, disse ela, as nuvens escuras entristecem-me. Sim, mas só Deus tem o poder de fazer o sol aparecer. Ora, ai está, quero ser tão poderosa como Deus.
Encantada com a ideia, gritou:
- Pedro, veste-se rápido e vai dizer ao bondoso bacalhau que desejo ser a onipotência sobre o universo, como Deus; não podes me recusar isso. Prometo que será o meu último pedido.
O bom pescador ficou tão assustado com um pedido tão absurdo, que teve de se encostar a uma cadeira para não cair no chão.
- Mas, o que é isso? minha mulher, disse ele, tu estás doida? Já não te basta reinar sobre um imenso e rico império?
- Não, disse ela, estou chateada por não poder mandar o sol aparecer e desaparecer quando eu quiser.
Quero ter poderes como Deu para mandar no sol, na lua e em todos os outros astros. Quero ter todo o poder para comandá-los.
- Mas como? , isso excede o poder do bondoso bacalhau; vai acabar ficando zangado comigo se for lhe importunar com um pedido tão insensato.
- Um imperador não admite contestações, nem simples observações, replicou ela zangada; faça já o que te mando.
O bom Pedro, já com o coração a temer, pôs-se a caminho. O tempo havia mudado; levantara-se uma terrível tempestade que curvava as árvores mais fortes da floresta e fazia tremer os rochedos. No meio da trovoada e dos relâmpagos o pescador chegou com muito custo à praia. As ondas do mar estavam altas como torres e saltavam umas sobre as outras com um ruído medonho.
- Bacalhau, querido bacalhau, exclamou Pedro. A minha mulher, a minha Isabel, contra a minha vontade, quer a qualquer custo mais uma última coisa.
- O que quer ela agora/? disse o peixe que logo apareceu.
- Até tenho medo de dizê-lo, respondeu Pedro, quer ser tão poderosa como Deus.
Então volte para casa, disse o peixe, e encontrará sua mulher na pobre cabaninha de onda eu a tirara.
Ao voltar, encontrou a insaciável Isabel vestida de roupas velhas e sentada num banquinho, na sua antiga e miserável choupana. Pedro, por sua vez, ficou contente e logo voltou a pescar; mas sua mulher nunca mais teve um momento de felicidade. .
MORAL DA HISTÓRIA.
As pessoas muito ambiciosas nunca chegam a ser realmente felizes. Quanto mais bens materiais adquirem, mais querem ter; nada as satisfaz.
Precisamos de muito pouco para sermos felizes. Cada um deve procurar o trabalho que melhor gosta, independente dos ganhos que lhe renda, e assim, tudo se torna motivo de prazer e alegria.
*Pelos Irmãos Grimm*
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